Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Teoria a mais - Tempo a menos

Teoria a mais - Tempo a menos

10.03.25

    Este texto vem com missão para lamentar a língua portuguesa que se vai ouvindo por aí.

    Lá no final do século XX, a TV cabo foi mostrando outras realidades do mundo. Dos canais em português que eu via, gostava do CanalBrasil, com filmes antigos, alguns a preto e branco, onde se podia reconhecer uma língua portuguesa muito mais coesa, coisa de há 80 anos, em ambos os lados do Atlântico; e do canal GNT, a Globo em digest internacional. Neste canal, podia saber-se da actividade política e da actualidade social brasileiras, para além das fantasias telenovelescas. 

    Quando se falava lá, do senado e do congresso, ouvia muito a sigla C.P.I. para aqui, C.P.I. para ali. Não foi difícil perceber, comparando com a realidade portuguesa, de que se trataria de uma "comissão parlamentar de inquérito", equivalente em Portugal à "comissão de inquérito (parlamentar ou da Assembleia)".

    Era com agrado que reconhecia a minha língua num país distante, nas suas variantes, mas facilmente (mutuamente?) entendíveis. E o exemplo citado ficou-me na memória, sempre comparando com as expressões políticas em Portugal.

    Não pode ser sem horror que, de um momento para o outro, se começa a ouvir, para aqui e para ali, falar em CPI's no nosso país, reforçadamente, nestes últimos dias.

    Em Portugal sempre se disse "comissão de inquérito" tout court, ou juntando "parlamentar" (é questão de uma pesquisa na hemeroteca...) ou "da Assembleia", pois o que é "parlamentar", adjectivo relativo ao Parlamento, é o inquérito, para o qual se cria uma comissão. Obviamente que é inerente à comissão ser parlamentar, mas o que está no centro da questão é o Inquérito! da Assembleia da República ou Parlamento.

    Este neologismo, recentemente imposto, é escusado e completamente deslocado, pois, por mais que seja interessante saber como se designam as coisas no Brasil, não é por isso norma estabelecida falar-se à brasileira.

    Quando oiço "CPI", vem logo à ideia "Mensalão", "lava-jacto", "pcc" e outras siglas  espúrias que se vão introduzindo no nosso país, como se duma nova realidade se tratasse. Até siglas importamos.

    Quem toma conta da língua nos meios de comunicação social? Não são os jornalistas responsáveis pelo que se comunica, e dos mais velhos se passa aos mais novos? Será que foi de dentro da Assembleia que se começou esta designação nova? Mas a democracia parlamentar não começou há 5 anos, para se mudar o nome de algo que sempre existiu. Mesmo na Assembleia Nacional de antanho, e no Parlamento republicano, e nas Cortes da Monarquia Constitucional, e nas Cortes medievais, sempre houve designações, procedimentos, regimentos próprios. Com estas pequenas coisas parece que Portugal e a sua língua já não são suficientes.

    Se se queria encurtar o termo e "modernizar", respeitava-se a tradição e veiculava-se a sigla C.I.P. (comissão de inquérito parlamentar), sem confusão com CIP (confederação industrial portuguesa).

    A mim incomoda-me, e parece-me mais um sinal decadentista do país sem amor-próprio, por todos os meios a negar a sua história, a sua especificidade, a sua existência.

 

[Veja-se as designações na legislação de 1993 "Sobre Inquéritos Parlamentares"]:

https://www.parlamento.pt/Legislacao/Documents/Legislacao_Anotada/InqueritosParlamentares_Simples.pdf

 

 

[Posso estar aqui a refilar sem razão nem conhecimento de causa, mas sei bem que há 25 anos não se ouvia "cê-pê-is", nem há 10 nem 5. Ou eu ouvia mal...]

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
Em destaque no SAPO Blogs
pub